Por que todo mundo está indo para a China?
- Daiane Dultra
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- 12 de nov.
- 6 min de leitura
Por Catarina de Angola e Daiane Dultra

Foi com esse espírito, de curiosidade, de busca e de colaboração, que partimos para nossa missão na China.
A Painá Catalisadora de Impacto e a Angola Comunicação assumiram o desafio de ampliar horizontes: não apenas conhecer esse país gigantesco e do qual sabemos pouco, mas pensar em articulações Sul-Sul que fortaleçam a sociedade civil brasileira, nas perspectivas da sustentabilidade, da comunicação e das novas narrativas, além de conectar essas agendas ao Brasil, à China e ao conjunto do Sul Global.
Essa viagem foi uma oportunidade de buscar respostas para uma questão essencial: como cooperar de fato, com raízes profundas e horizontes amplos.
1. A China verdadeira
Na nossa experiência, encontramos um território muito diferente do que imaginávamos, um país que guarda inúmeros aprendizados e, ao mesmo tempo, nos desafia a aprender. Nas últimas quatro décadas, a China transformou-se de uma economia essencialmente agrícola na segunda maior economia do mundo, com crescimento médio de cerca de 10% ao ano. Em 2024, mesmo diante de desafios globais, o país manteve um crescimento em torno de 5% ao ano, enquanto as indústrias de alta tecnologia avançaram mais de 9% em alguns períodos.
Isso mostra que, em pouco tempo, a China avançou e se reinventou, não apenas economicamente, mas também social e tecnologicamente.
Abraçamos o espírito de colaboração que vimos lá: ancestralidade, território e coletividade articulam-se com objetividade, pragmatismo, inovação e ambição global. Vimos que o socialismo com características chinesas não é uma abstração, mas uma rede complexa de relações entre Estado, mercado e comunidade, objetiva, pragmática e efetiva, que gera resultados concretos.
Fomos bem recebidas e percebemos que tradição e inovação não são opostos: a tecnologia caminha ao lado da cultura, a comunidade ao lado da inovação, o futuro ao lado da memória. A pauta climática é uma agenda posta e transversal. Em todas as conversas, visitas e encontros, vimos como a China integra a sustentabilidade ao seu projeto de desenvolvimento. O país assumiu o compromisso de neutralizar suas emissões líquidas de carbono até 2060 e já investe bilhões de dólares em energia limpa, veículos elétricos e tecnologias verdes. Essa estratégia combina visão de longo prazo, política de Estado e articulação entre governo, empresas e sociedade civil.
Também observamos o surgimento de um ecossistema filantrópico que se conecta cada vez mais com temas globais, como justiça climática e inovação social. Grandes fundações e organizações locais têm atuado em parceria com redes internacionais, indicando que há uma mudança em curso: a filantropia chinesa começa a olhar para fora, inaugurando uma nova lógica de cooperação.
2. Cooperar faz todo o sentido
A China precisa do Brasil e o Brasil precisa da China. Essa interdependência é real e crescente. Mais do que parceiros comerciais (a China é hoje nosso principal parceiro comercial), os dois países têm se aproximado por meio de uma agenda política, econômica, ambiental e social que reconhece seus papéis no Sul Global.
Brasil e China firmaram uma declaração conjunta sobre combate às mudanças climáticas, comprometendo-se a ampliar e diversificar a cooperação bilateral na área, desde 2023. O documento reconhece a necessidade de “combinar resposta climática urgente com conservação da natureza” e propõe o fortalecimento de cadeias verdes, energias limpas e inovação tecnológica.
Além disso, foi assinado um memorando de entendimento entre o Ministério do Meio Ambiente do Brasil e a National Forestry and Grassland Administration da China, com foco em restauração de vegetação, tecnologias de carbono e intercâmbio técnico sobre serviços ecossistêmicos.
Esses acordos mostram que há uma abertura concreta para o diálogo e um interesse compartilhado em respostas globais sustentáveis. A cooperação não se limita a governos: universidades, empresas e organizações da sociedade civil também começam a se articular. Em 2024, por exemplo, a China destinou 10 milhões de dólares para a ONU Mulheres, reforçando seu compromisso com a pauta de gênero e igualdade, e sinalizando uma disposição de integrar a filantropia à sua política externa.
Durante nossa missão, percebemos que essa cooperação pode (e deve) ser entendida de forma mais ampla e sistêmica. Há uma convergência de interesses não apenas na mitigação das mudanças climáticas, mas também em temas como adaptação, inovação, infraestrutura sustentável e bem-estar social.
Brasil e China compartilham desafios comuns, especialmente o envelhecimento populacional. Nos próximos anos, ambos terão sociedades majoritariamente compostas por pessoas idosas. Pensar em qualidade de vida, políticas de cuidado e novas formas de participação social será um eixo central que conecta os dois países. Esse tema atravessa saúde, tecnologia, economia e cultura e exige soluções criativas, colaborativas e sustentáveis.
Por tudo isso, cooperar faz todo o sentido. Não apenas como estratégia econômica, mas como um projeto político e civilizatório. Há espaço para construir uma nova agenda Sul-Sul baseada em confiança, inovação e solidariedade, capaz de enfrentar os desafios do nosso tempo com responsabilidade e visão de futuro.
3. Narrativas, comunicação e o novo digital-físico
Vivemos em mundos híbridos, onde o digital ganha escala, mas o físico não desaparece. Na China, nos surpreendemos com a disponibilidade, mas também com o hábito da leitura dos jornais impressos, além do alto estímulo ao uso dos dispositivos móveis. A diversidade de aplicativos com diversas funcionalidades, desde a conversação, possibilidade de acessar transportes (dos diversos tipos), fazer pagamentos, etc. foi surpreendente. Esses diversos meios de comunicação contam narrativas que dominam espaços simbólicos e tecnológicos.
A tecnologia também se expressa de forma mais evidente no dia a dia dos chineses nas cidades em que pisamos. O reconhecendo facial, a leitura de documentos pelas máquinas para acessos a espaços, os serviços sempre à mãos através dos celulares, isso vivemos no dia a dia.
Para nós ficou também evidente nesse contexto que há uma agenda ativa de comunicação: reformular a imagem da China e ao mesmo tempo refletir como o Brasil pode articular sua voz no Sul global. Para a sociedade civil, isto significa: precisamos pensar não só “o que comunicamos”, mas “como comunicamos”, objetivamente “o que queremos com essa abertura de diálogo” e em que plataformas, com que alianças, com que estrutura de dados.
Quando olhamos para a cooperação sino-brasileira, vemos que a China já está investindo pesado em cleantech, inteligência artificial, infraestrutura digital, e nós temos agendas poderosas que se entrelaçam: clima, biodiversidade, comunidades tradicionais, recursos naturais, inovação social.
Nesse contexto, a comunicação é ponte. E a ponte exige que a sociedade civil brasileira esteja equipada, seja para articulação, para narrativas próprias, para diálogo ativo. Além disso, há o físico: encontros, missões, viagens como a nossa, visitas, presença; que fortalecem laços, criam confiança, fazem sentido para além do clique.
Conclusão: voltamos e trazemos boas notícias
Voltamos da China com boas notícias. Boas porque vimos um país que está se reinventando, que acredita em planejamento de longo prazo, em tecnologia a serviço da coletividade e em uma ideia de futuro que ainda é construída em comunidade. Mas boas também porque percebemos que há espaço para nós, brasileiras, latino-americanas, Sul-Sul nesse diálogo. Há pontes possíveis, caminhos abertos, oportunidades reais de cooperação e aprendizado mútuo.
Ficou nítido que o mundo olha para a China porque ali se desenha parte das respostas que todos estamos buscando responder: como crescer e ao mesmo refletir sobre não destruição, como inovar sem perder as raízes, como comunicar sem romper com a memória. A China está construindo sua narrativa com base em soberania e propósito coletivo. E nós, do Sul Global, temos muito a aprender e contribuir com isso.
Por isso, voltamos com os pés firmes e o coração aberto. Temos muito o que ver e ouvir por lá ainda, muitas perguntas ainda precisam serem feitas, mas testemunhamos uma sociedade em movimento, que articula governo, empresas, universidades, filantropia e organizações sociais em torno de uma agenda comum: mitigação, adaptação e bem-estar. Sentimos que é hora de chegarmos mais perto, de ocuparmos esse espaço, de cooperar com coragem e presença.
Então, por que todo mundo está indo para a China?
Porque ali há perguntas que o mundo inteiro precisa responder. Porque há lições de disciplina, coletividade, inovação e ancestralidade que nos tocam. Porque há espaço para diálogo, para novas narrativas e para construir um futuro que, respeitando as identidades orientais e ocidentais, é global, plural e solidário.
Voltamos com o desejo de continuar conectadas. De fazer com que essa viagem não termine no desembarque, mas se transforme em novas alianças, novas ideias e novos projetos. Voltamos acreditando que cooperar é o verbo do futuro.
Contamos com você nessa jornada.



